A "cultura da violência" no banco dos réus: Rodrigo "Vermeio" vai a júri no dia 4 de novembro
Caminhoneiro é acusado de matar casal de seguranças – caso levanta debate sobre papel da segurança privada e o recurso à força no lugar da lei
27/10/2025
Rodrigo Neumann Pires, o Vermeio, passou a ser conhecido após o crime como Capa 10: ele está preso preventivamente na Cadeia Pública de GuarapuavaO julgamento de Rodrigo Neumann Pires, conhecido como Vermeio ou Capa 10, marcado para o próximo 4 de novembro, recoloca em pauta um dos crimes de maior repercussão em Guarapuava nos últimos anos – e expõe um traço recorrente na violência brasileira: a substituição das instituições legais pela força pessoal.
Pires, caminhoneiro de 37 anos, é acusado de matar o casal de seguranças Vanderlei Antônio de Lima (31) e Edinéia Gonçalves Oliveira (32) em 23 de março de 2024, após uma briga em uma loja de conveniência no bairro Conradinho.
IMAGENS DO CONFRONTO
Sequência entre as agressões dos seguranças dentro do banheiro, a volta de Rodrigo Neumann Pires armado e o atentado no salão da conveniência
O crime é um clássico caso de “abuso de poder” (por parte dos seguranças) e de “justiça com as próprias mãos” (pelo autor).
De um lado, os seguranças supostamente protegidos pelo “direito” de agir com violência, sem nenhuma técnica de dominação ou de uso dos meios legais na constatação de ilegalidade (chamar a polícia seria o mais indicado). E, do outro, o motorista que se sentiu atingido na “honra”, ao ser agredido, e utilizou o meio que considerava “justo” para revidar ao ataque: buscar a arma em casa e retornar para matar o casal, a sangue frio.
Segundo o Ministério Público, os homicídios foram qualificados por motivo torpe e impossibilidade de defesa das vítimas. O réu segue preso preventivamente.
O processo judicial leva em conta as anotações feitas pela Polícia Civil no inquérito, permeado de depoimentos de testemunhas e de imagens das câmeras de segurança. Segundo as investigações, Rodrigo chegou alterado ao local. No banheiro, as câmeras mostram uma discussão, seguida imediatamente de socos desferidos pelo segurança Vanderlei Antônio de Lima em Rodrigo Pires, que não reage. Enquanto isso, Edinéia assiste, passivamente.
Em seguida, Vermeio é retirado à força da conveniência e vai para sua casa, nas proximidades, onde, segundo suas próprias palavras, ele se “despede” da mulher, dos filhos e do carro. No intervalo de uma hora e meia entre a conveniência e a casa, Pires voltou ao encontro dos seguranças, armado com um revólver calibre .38 e efetuou vários disparos logo que os encontrou. Edinéia estava na frente do marido e foi a primeira a ser atingida, morrendo no local. Vanderlei chegou a ser socorrido, mas não resistiu.
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Após o crime, o caminhoneiro fugiu a pé e foi preso no dia seguinte, em uma área de mata. A confissão extrajudicial foi acompanhada de áudios enviados a conhecidos, nos quais Pires diz que “não fez nada de errado” e que “mexeram com a pessoa errada”.
Os áudios foram compartilhados em grupos de WhatsApp de caminhoneiros. Neles, o réu relata ter sido espancado e afirma que apenas reagiu às agressões. Em outro trecho, ri e diz que pretendia se esconder “48 horas, até passar o flagrante”.
A violência como regra
Independentemente das argumentações que cercam o episódio, entre defesa e acusação, o caso escancara a falência das normas de convivência e o avanço da cultura da violência como meio de resolução de conflitos.
É como se a região de Guarapuava voltasse no tempo, numa época não muito distante onde “crimes contra a honra” emolduravam a galeria de processos judiciais. O aperfeiçoamento ou cumprimento da legislação e a consciência popular quanto a esses dispositivos fizeram com a violência diminuísse – ou que, quando acontecesse, os meios legais fossem acionados.
Há menos de duas semanas, num conflito de terra no interior de Turvo, um proprietário quis mostrar “razão” atirando em direção ao outro proprietário. Não houve feridos. O agricultor alvo dos tiros preferiu procurar a polícia a revidar aos ataques, evitando uma tragédia.
A cena na conveniência no Conradinho – seguranças que agem como agentes públicos e um cidadão que reage com arma de fogo – reflete um ambiente em que a confiança na lei foi substituída pela crença de que a força pessoal é o único meio de reparação.
O julgamento
O júri popular será realizado no Fórum de Guarapuava, sob presidência do juiz Márcio Trindade Dantas. A sessão está prevista para começar às 9h e deve se estender por todo o dia.
O magistrado autorizou o uso de recursos audiovisuais, como vídeos, laudos e mapas, para facilitar a compreensão dos jurados. Na decisão, destacou que os dois homicídios ocorreram “no mesmo contexto de tempo, local e modo de execução”.
A defesa, representada pelos advogados Elizane Nicolau, Miguel Nicolau e Felipe Nicolau, sustenta que Rodrigo reagiu “a agressões severas” e que isso será um dos pontos centrais da argumentação.
“Apesar das mortes, Rodrigo reagiu a um ataque brutal. Essa será a linha central da defesa”, afirmaram os advogados em nota.
O juiz limitou o número de testemunhas a cinco por parte, para evitar prolongamentos e garantir um julgamento equilibrado.
O casal Vanderlei Antônio de Lima (31) e Edinéia Gonçalves Oliveira (32) trabalhava junto e tinha 4 filhos
As vítimas
O casal de seguranças recebia R$ 120 cada pela noite de trabalho. Deixou quatro filhos – um menino de 12 anos, outro de 4, e dois gêmeos de 1 ano.
O enterro das vítimas ocorreu no Cemitério Municipal de Guarapuava, com forte comoção popular, com a presença de um grande número de seguranças que trabalha na noite e eventos na cidade.
Símbolo de um país armado
O episódio ganhou repercussão nacional entre caminhoneiros e grupos de segurança privada, dividindo opiniões nas redes sociais.
Para parte dos colegas de estrada, Rodrigo teria agido “por impulso”. Outros o classificam como “assassino frio”.
Neste caso, ninguém confiou na lei. Nem os seguranças, nem o acusado. Quando a força substitui a justiça, todos perdem.
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