milton luiz cleve kuster

MILTON LUIZ CLEVE KÜSTER

Advogado desde 1978, o guarapuavano radicou-se em Curitiba (PR) e Itapema (SC), sem nunca esquecer que "bebeu a água da Serra da Esperança".

Opinião

Portas da infância

Lembranças do Dr. Euripio Rauen, de uma época que não esquecemos jamais

15/12/2025
Milton, Mayse e Percy: geração da Família Cleve Küster em Guarapuava Milton, Mayse e Percy: geração da Família Cleve Küster em Guarapuava

Duas visitas recentes me levaram de volta à minha cidade natal e, mais ainda, ao tempo da minha infância. A primeira foi em São Francisco do Sul, diante de casarões antigos, restaurados com cuidado, que guardam em suas paredes a dignidade dos séculos. A segunda, em Rancho Queimado, onde uma árvore solitária, de raízes firmes, chamou-me a atenção. À primeira vista, nada conecta um casarão colonial a uma árvore de serra. Mas, para mim, ambos abriram a mesma porta: a da memória.

Em Guarapuava, morei numa casa antiga, de terreno amplo, quase meia quadra. Aquela casa já fora de um renomado advogado. Após sua morte, passou à filha que, casada também com um advogado, viu o casarão abrigar na mesma sala de frente para a Rua Capitão Rocha, o escritório de seu marido. Sei que pelas janelas baixas iniciou-se o namoro entre Izabel e Eurípio, e a casa recebeu ilustres convidados, tais como Monteiro Lobato, Santos Dumont, Afonso Alves de Camargo, então Presidente da Província do Paraná, e outras figuras importantes da cidade e do estado.

O advogado chamava-se Eurípio Rauen, pai de Vera, Eurípio, Belém, Isabel Cristina e Raquel. Homem elegante, sempre impecavelmente vestido, chegava em seu Dodge reluzente, que estacionava em frente ao escritório. Eu, criança curiosa, buscava sempre uma oportunidade para espiar o que o Dr. Eurípio fazia. Nunca passei da porta, mas bastava aquele limiar: os móveis de madeira nobre e escura, os livros alinhados nas prateleiras, o som seco das teclas da máquina de escrever. Tudo aquilo me encantava, como se fosse um mundo secreto que eu só podia observar de longe. Ainda assim, era sempre recebido com simpatia. Quando percebia minha curiosidade, o Dr. Eurípio sorria, pedia um cafezinho, e logo Tereza, nossa funcionária, surgia com a bandeja. Era o suficiente para me sentir parte daquela cena, mesmo que apenas como espectador privilegiado.

Na minha cabeça de menino, sentia-me muito próximo dele, como se aquela simpatia fosse também um gesto de amizade. Por isso, em 1966, quando o Dr. Eurípio faleceu aos 48 anos, a notícia me entristeceu profundamente. Lembro a decepção ao saber que ele seria sepultado em sua cidade natal, e não em Guarapuava. Parecia injusto, como se a cidade perdesse não apenas um advogado ilustre, mas também um pedaço da sua própria história.

Ainda havia, nos fundos daquela casa, uma árvore que me marcava tanto quanto os livros: uma uva do Japão, imponente, alta, perfumada. Ela era o ponto de sombra, o cheiro doce, a presença silenciosa que acompanhava meu crescimento. Ao visitar em Rancho Queimado a antiga casa de campo do governador Hercílio Luz, deparei-me com uma árvore idêntica, também nos fundos da residência. Foi como reencontrar uma velha amiga: a mesma uva do Japão, com seu perfume, sua altura e sua imponência, trazendo-me de volta à infância em Guarapuava.

Por isso, ao caminhar por ruas de cidades históricas ou ao me deter diante de uma árvore solitária, minha memória volta a esses pontos de origem.

As casas, as árvores, as paisagens – tudo se mistura em um tecido invisível que me costura à infância e às raízes de quem sou. Como se cada visita fosse, na verdade, um retorno. Ao olhar para trás, vejo com clareza: certamente aquele convívio, ainda que à distância, com um escritório de advocacia e com a figura do Dr. Eurípio Rauen, me inspirou e plantou em mim a decisão de seguir o caminho da advocacia.

Entre livros, máquinas de escrever, cafezinhos e árvores de uva do Japão, nascia ali não apenas minha infância, mas também minha vocação.

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