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"Write dress": a saga de um casal de Guarapuava até o coração do Vaticano e a benção do Papa Francisco

Era para ser apenas uma viagem de lua de mel a Itália...

25/04/2025

O Paraná Central e o Viva Guarapuava trazem a história escrita pelo médico e professor universitário Gustavo Acurcio Souza Cruz, da Unicentro de Guarapuava, sobre o encontro que ele e sua esposa, Luciane, viveram com o Papa Francisco.  Foi em 2018, quando o casal viajou a Roma (Itália) em lua de mel. Ela, grávida. O destino e um vestido branco ("write dress") reservariam uma experiência inesquecível

GUSTAVO ACURCIO SOUZA CRUZ

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O guarda suíço cruzou sua lança à nossa frente com um clique metálico decisivo. Luciane segurava meu cachecol branco amarrado como uma saia improvisada, eu suava no terno comprado em 15 minutos, e o Vaticano parecia dizer: "Não". Mas ali, entre risos e desespero, começava nossa aventura por um milagre - ou pelo menos, por um vestido branco decente.

Roma, 28 de novembro de 2018. Era nossa lua de mel. Eu e minha esposa, Luciane, estávamos em êxtase por viver aquele sonho europeu. Para mim, era uma volta cheia de significado: conheci Roma aos 18 anos, quando tinha pouco dinheiro até para comer bem. Lembro que, parado diante do Panteão, olhei para um restaurante elegante e pensei:

“Um dia, ainda volto aqui para jantar de verdade.”

E voltei. Dessa vez com ela. E com um presente inesperado.

Minhas tias, Wilma e Suely, e minha prima Nívea, me sugeriram que entrasse em contato com o padre Leandro — que havia sido pároco da minha cidade natal, Palmital-SP, e que naquele momento estudava em Roma. Elas disseram:

“Manda uma mensagem pra ele. Vocês podiam se encontrar.”

E assim fiz. Marquei um jantar e o convidei para nos encontrarmos em frente ao Panteão.

O que eu não esperava era que ele nos surpreenderia com algo muito maior: um voucher para a audiência papal, obtido após o reitor da universidade onde ele estudava enviar uma carta ao Vaticano. O padre nos explicou que todo casal recém-casado, com até três meses de matrimônio, pode participar de uma audiência pública com o Papa Francisco. Foi como um chamado.

No dia seguinte, fomos até o Vaticano, apresentamos a certidão de casamento, passamos por uma breve entrevista e saímos com o coração leve. Estávamos autorizados a participar da audiência na quarta-feira com o Papa.

E não seria uma audiência qualquer. Seria na Sala Paulo VI — um espaço que eu sempre sonhei em conhecer.

No verão, as audiências papais acontecem na Praça São Pedro. Mas, no frio, elas são transferidas para a Sala Paulo VI, um auditório moderno e impressionante. No altar, há um painel de bronze imenso, representando a Ressurreição de Cristo. Ali, Jesus emerge do caos como quem ressurge também das nossas dores, perdas e silêncios — de forma dramática, bela e profundamente simbólica.

Mas, então veio o imprevisto.

Descobrimos, já em Roma, que o protocolo exigia terno para o noivo e vestido branco para a noiva. Não sabíamos dessa exigência — tampouco que seríamos barrados por isso. Fomos atrás. Eu não havia comprado terno novo para o nosso casamento no Brasil porque o meu já era bom. Mas em Roma, em 15 minutos, tive que comprar outro e até hoje é o melhor que tenho.

Começamos então a busca pelo vestido branco. O primeiro que encontramos custava 2.000 euros. Impossível. Achamos outro, bem mais acessível, mas ao chegarmos ao hotel percebemos: era transparente demais para uma audiência com o Papa.

O DIA D

Tanques na entrada do Vaticano, guardas nos telhados com binóculos, detector de metais, filas, revistas e, por fim, a tradicional Guarda Suíça — aqueles de uniformes coloridos, estilizados por Michelangelo — e depois, a guarda pessoal do Papa. O clima era tenso. Os olhos de todos os seguranças vigiavam cada detalhe.

A título de curiosidade, estar diante do Papa pode parecer um momento de paz e plenitude, mas não está isento de tensão. A história da Igreja é marcada por tentativas de atentado contra papas ao longo dos séculos, algumas com êxito. João Paulo II sobreviveu a três tiros em plena Praça São Pedro, em 1981. Já Bento XVI sofreu duas tentativas de ataque — uma delas no próprio Natal. O FBI, CIA, MI6 britânico e a inteligência italiana inclusive já desarticularam duas vezes a Al Qaeda de fazer um ataque terrorista contra o Vaticano. Os protocolos de segurança no Vaticano, por isso, são rigorosíssimos. Cada movimento é vigiado. Cada gesto é interpretado. O clima de solenidade, por vezes, mistura-se com o de vigilância extrema.

Quando tentamos entrar, Luciane foi barrada por não estar com um vestido branco. Improvisei. Peguei um cachecol branco que estava no meu pescoço, amarrei na cintura dela como uma saia branca improvisada — enquanto ela não conseguia parar de rir, e eu suando frio tentava (em vão) fazê-la ficar séria. Tentamos novamente.

Um dos guardas suíços, ao lado do outro que nos revistava, quebrou o protocolo e não conteve o riso. Mas não teve jeito: segunda negativa.

Para quem não sabe, nas audiências papais às quartas-feiras, o flanco esquerdo é reservado para autoridades e chefes de Estado. No flanco direito, ficam deficientes físicos e casais recém-casados. Mais ao fundo, o público em geral.

Ao sermos barrados, sugeriram-nos que ficássemos junto ao público, mais distante do Papa. Mas algo dentro de mim dizia que essa história não acabou.

CORRIDA CONTRA O RELÓGIO

Deixei Luciane na presença de uma senhora muito simpática e saí correndo de volta ao hotel, como quem carrega uma promessa no peito. Peguei o vestido branco, que estava sob um lindo casaco bege e retornei, passando novamente por todas as barreiras de segurança. Quando voltei, os sinos soavam que ninguém mais poderia entrar. Mas cheguei no último segundo.

Encontrei minha esposa, e fomos rapidamente ao banheiro para que ela se trocasse.

Tentamos mais uma vez.

O guarda hesitou. Chamou novamente o chefe da guarda pessoal. Um longo silêncio. Ele provavelmente pensou:

“Não acredito que esse cara voltou novamente…”

Quando parecia que receberíamos o terceiro “não”, Luciane olhou com firmeza e disse, de forma clara:

– White dress.

Ele respondeu, com um leve sorriso:

– Ok. Welcome!

Entramos. E fomos tomados por uma felicidade difícil de descrever.

O Papa Francisco se aproximava, cumprimentando todos os casais. Quando chegou perto de nós, eu disse:

– Papa, minha bambina! (apontando para o ventre da minha esposa)

Tivemos o privilégio de podermos ficar mais um pouco com ele, que parou e nos olhou com doçura. Perguntou quantos meses. Qual o nome.

Luciane respondeu:

– Cinco meses. Sofia.

Ele sorriu, fechou os olhos… e abençoou nossa filha ali mesmo.

Cinco fotógrafos e duas câmeras o acompanhavam. Na tarde daquela quarta-feira, fomos ao Serviço de Fotografia do Vaticano para pagar e obter as fotos.

Essa é, sem dúvida, uma das melhores histórias da minha vida. 

Sofia nasceu, cresce, fez seis anos recentemente, é inteligente, querida e amada e faz de nós os pais mais felizes e orgulhosos de Guarapuava.

Agora, com a morte do Papa Francisco, essa história se torna ainda mais simbólica. Um Papa que lutou pelos pobres, abraçou os excluídos, defendeu o meio ambiente, o diálogo e a paz — até o último dia de sua vida.

E naquele dia, com um vestido branco, um cachecol e uma corrida pelas ruas de Roma, eu aprendi o valor de não desistir diante do “não”.

Porque às vezes, o que parece impossível…

é só o começo de um milagre.

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