O Brasil silencioso: quem são os 54% fora da polarização e que podem decidir a eleição de 2026
A leitura do número e os desafios para os estrategistas do marketing político
06/10/2025
Em meio ao barulho estridente das redes sociais e ao embate político entre petistas e bolsonaristas, uma maioria silenciosa permanece fora do foco da mídia, do debate público e das estratégias eleitorais. Segundo análise do jornalista Leonardo Sakamoto, um dos mais experientes e respeitados analistas políticos do Brasil, essa maioria – composta por 54% da população que não se identifica nem com Lula nem com Bolsonaro – poderá definir o rumo da sucessão presidencial em 2026.
A constatação parte de uma pesquisa inédita conduzida pela ONG More in Common, em parceria com o instituto Quaest e sob coordenação do professor Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo (USP). Com mais de 10 mil entrevistas em todo o Brasil e margem de erro de apenas um ponto percentual, o estudo desmonta a narrativa simplificada da polarização absoluta e revela um Brasil dividido, sim, mas em seis grupos distintos – e não apenas dois.
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“Essa leitura dicotômica entre lulistas e bolsonaristas é confortável para manchetes e redes sociais, mas profundamente imprecisa”, diz o pesquisador Pablo Ortellado (no alto), em artigo assinado por Leonardo Sakamato (acima) no site Diário do Centro do Mundo.
A maioria invisível: desengajados e cautelosos
O dado mais explosivo da pesquisa é o seguinte: os dois grupos que dominam o debate público – os Progressistas Militantes (5%) e os Patriotas Indignados (6%) – são, na prática, minorias barulhentas. Eles arrastam consigo blocos maiores de apoio (a esquerda tradicional com 14% e os conservadores tradicionais com 21%), mas ainda assim somam apenas 46% da população.
O que resta, os 54% restantes, são os verdadeiros “donos do jogo”: dois grandes blocos, batizados de “desengajados” (27%) e ‘cautelosos” (27%). Eles não participam ativamente da política institucional, não frequentam manifestações, tampouco viralizam opiniões em redes sociais. Mas é deles que sairá a decisão final em 2026.
Quem são esses eleitores?
Segundo a pesquisa, os “desengajados” são, em sua maioria, pobres, pretos, com baixa escolaridade e alta vulnerabilidade social. Apenas 6% têm ensino superior, e 65% vivem com menos de R$ 5 mil por mês. A insegurança alimentar marca sua realidade: 12% não tiveram o que comer em algum momento da vida.
Apesar de se identificarem majoritariamente com valores conservadores (72%), não se alinham automaticamente com a direita: apenas 15% consideram manifestações políticas importantes e 65% não simpatizam com nenhum partido – embora 21,5% tenham alguma simpatia pelo PT.
Já os “cautelosos”, apesar de um perfil social parecido, expressam um conservadorismo mais afirmado (81%), desconfiança das elites (especialmente intelectuais), e uma distribuição de simpatias políticas mais complexa: 45% tendem ao petismo, mas 40% se identificam com a direita. São, como os “desengajados”, o retrato da contradição brasileira – ao mesmo tempo conservadores nos costumes e preocupados com políticas sociais.
Um Brasil que não é ouvido
Esse “meião” – como chama Ortellado – não aparece no noticiário, não molda o Twitter (ou X), nem ocupa os debates televisivos. Mas suas opiniões estão longe da indiferença ou alienação. O que há é um afastamento do sistema político, não da política em si.
“Eles foram afastados da política institucional, mas têm uma visão de mundo estruturada”, afirma o pesquisador.
Nos grupos focais da pesquisa, os participantes relataram cansaço, desilusão e falta de identificação com os discursos polarizados. A ausência de voz pública não é sinônimo de apatia, mas um sinal de que a política como está sendo feita não os representa.
Guerras culturais não movem o centro
Mesmo nas chamadas "guerras culturais", que inflamam os extremos – como posse de armas, direitos humanos, feminismo ou cotas raciais –, a maioria invisível revela moderação e ambivalência.
Posse de armas: 93% dos “patriotas indignados” são a favor; apenas 9% dos “progressistas militantes” concordam. Entre os invisíveis? 38% (“desengajados”) e 55% (“cautelosos”) concordam.
Punitivismo: os “desengajados” estão divididos (50% a favor, 50% contra a frase "direitos humanos atrapalham o combate ao crime"). Os “cautelosos” tendem mais à punição (69% concordam).
Feminismo: 69% dos “desengajados” discordam da ideia de que o feminismo ameaça a família; 54% dos “cautelosos” concordam.
Cotas raciais: 54% dos “desengajados” e 67% dos “cautelosos” consideram que elas são uma forma de racismo.
“As pessoas não estão em lados opostos fixos. Elas estão numa escadinha de posições, que vai variando conforme o tema”, explica Ortellado.
O desejo por trégua
Apesar da imagem de um país fraturado, o estudo revela um desejo massivo de reconciliação e cooperação política.
70% dos “desengajados” e 73% dos “cautelosos” acreditam que o Brasil tem mais coisas em comum do que diferenças.
E mais surpreendente: 92% dos “desengajados” e 96% dos “cautelosos” querem que todos os partidos trabalhem juntos para resolver os problemas do país.
Não é pouca coisa. Esse número representa mais de 100 milhões de brasileiros que rejeitam o modelo de confronto constante e anseiam por uma política que os represente com mais escuta e menos grito.
Eleições 2026: o voto do Brasil invisível
Com a sucessão de Lula marcada para outubro de 2026, os 54% de “invisíveis” se tornam o centro da equação eleitoral. Eles não vão decidir pelo barulho, nem pelo viral do dia. Seu voto dependerá de políticas públicas reais, mensagens que dialoguem com suas inseguranças econômicas e, acima de tudo, de propostas que superem o binarismo paralisante que marca a política atual.
Os partidos e candidatos que insistirem na dicotomia Lula vs. Bolsonaro, PT vs. direita, podem se ver falando sozinhos – ou, pior, ignorando a maioria real do país.
“Eles podem não estar na linha de frente do debate digital, mas são quem mais sente os efeitos da política. E é por isso que, em 2026, podem ser eles os verdadeiros protagonistas”, conclui Sakamoto.