Em Guarapuava, um surto, facas pela janela e o novo rosto da força policial no Paraná
Com a adoção das novas armas de eletrochoque Taser 10, o Paraná aposta em uma abordagem menos letal para conter situações de crise
27/09/2025
Por quase três horas, policiais militares posicionados do lado de fora de um prédio residencial de dois andares em Guarapuava tentaram convencer um homem em surto a abrir a porta. Dentro do apartamento, ele gritava palavras desconexas, fazia ameaças e, em determinado momento, começou a arremessar facas pela janela.
Na calçada, moradores observavam a cena em silêncio. Do outro lado da rua, policiais do Batalhão de Choque avaliavam os riscos de uma entrada forçada. O isolamento da área já havia sido feito. Negociadores tentaram estabelecer contato direto, sem sucesso. No meio da tarde, a decisão foi tomada: a porta seria arrombada. Poucos segundos depois, o som seco do disparo de uma Taser 10 ecoou pelo corredor. O homem caiu.
O incidente, ocorrido na última quarta-feira (24), marca uma entre as 32 vezes em que a Polícia Militar do Paraná utilizou, em menos de dois meses, sua mais nova arma de incapacitação neuromuscular: a Taser 10, modelo recentemente adotado como parte de um esforço estadual para modernizar o aparato policial e reduzir o uso de força letal.
“Esse tipo de ocorrência mostra como a tecnologia pode proteger vidas – inclusive a da própria pessoa em crise”, afirmou o capitão Erlington José Medeiros de Barros, oficial da PMPR envolvido no planejamento operacional da nova arma.
A promessa da neutralização sem morte
O modelo Taser 10 representa uma evolução considerável em relação aos dispositivos anteriores. Com capacidade para disparar até dez dardos metálicos sem recarga, o equipamento permite ao policial neutralizar mais de um indivíduo em uma mesma ação. Ao atingir o alvo, a corrente elétrica de 1,2 miliampere interfere diretamente no sistema nervoso sensorial e motor, provocando uma perda temporária de controle muscular – o suficiente para derrubar uma pessoa em movimento sem causar, em tese, risco à vida.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública do Paraná, o novo armamento já está em uso desde 16 de agosto, e os primeiros resultados práticos vêm sendo documentados em ocorrências que envolvem surtos psicóticos, resistência à prisão, violência doméstica e até motoristas embriagados.
Um desses casos envolveu um condutor que, mesmo sob forte influência de álcool, recusava-se a deixar o volante. Outro registro menciona a contenção de um homem armado com uma barra de ferro em frente a uma escola municipal.
Segurança pública em fase beta
A adoção do Taser 10 faz parte de um pacote de modernização da segurança pública estadual, que inclui também óculos de visão noturna, miras inteligentes e viaturas reforçadas. Ao todo, mais de 2 mil policiais já foram capacitados para o uso do novo equipamento — o que representa 67,2% da meta inicial de 3 mil agentes. A formação inclui protocolos de uso proporcional da força, intervenções em crises psicológicas e avaliação dos riscos associados à eletroincapacitação.
“O percentual reflete a agilidade e a seriedade com que a corporação está adotando a nova tecnologia”, disse o comandante-geral da PMPR, coronel Jefferson Silva. “Alcançar mais de dois terços da nossa meta em um período tão curto é um indicador claro de que estamos prontos para integrar a arma à nossa rotina operacional.”
Além da Polícia Militar, a Polícia Civil recebeu 300 unidades do Taser 10, a Polícia Penal, 98, e a Polícia Científica, 2. O treinamento nas demais forças também está em curso.
Armas não letais, efeitos imprevisíveis
O debate sobre o uso de armas não letais pelas forças policiais brasileiras não é novo. Desde a popularização das primeiras pistolas de choque, no início dos anos 2000, especialistas em direitos humanos vêm alertando para os riscos de abusos em situações de baixa supervisão institucional.
“O fato de uma arma ser classificada como não letal não significa que ela seja inofensiva”, diz Carla da Silva Ferreira, pesquisadora do Instituto Sou da Paz. “Seu uso deve ser acompanhado de protocolos muito rígidos e de mecanismos de responsabilização para garantir que não se torne instrumento de tortura ou abuso.”
Casos recentes em estados como São Paulo e Rio de Janeiro mostraram que, em mãos despreparadas, armas de eletrochoque podem ser usadas de forma arbitrária, inclusive contra populações vulneráveis como moradores de rua e pessoas com transtornos mentais.
No caso de Guarapuava, a PM informou que todos os protocolos foram seguidos. Após o disparo, o homem foi atendido por uma equipe do SAMU e encaminhado ao hospital para avaliação psiquiátrica. Nenhuma lesão grave foi registrada.
Um experimento em escala estadual
O Paraná é um dos primeiros estados brasileiros a implantar o Taser 10 em larga escala. Para o secretário da Segurança Pública, Hudson Leôncio Teixeira, o projeto é emblemático da mudança de mentalidade que se pretende imprimir na atuação policial.
“Estamos investindo não apenas em armamento, mas em uma nova postura, em um novo tipo de resposta — mais técnica, menos letal e, principalmente, mais humana”, afirmou.
Ainda não há dados consolidados sobre o impacto da nova arma na redução do uso de armas de fogo ou em ocorrências com vítimas fatais. A expectativa do governo estadual é concluir a primeira fase do programa até o final do ano, com a padronização da Taser 10 como parte do protocolo operacional em todo o Paraná.
Enquanto isso, em cidades como Guarapuava, o que se tem são histórias como a de quarta-feira: um homem em crise, uma janela aberta, facas voando — e um fio de eletricidade que, ao menos desta vez, evitou um desfecho mais trágico.
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