Opinião

A liberdade de expressão tem limites?

17/05/2022

MARCELO ANTONIO CESCA

Uma das críticas que se faz à redação da Constituição Federal de 1988 é a de que ela previu muitos direitos e poucos deveres.

Outra crítica que se faz, desta vez endereçada ao academicismo universitário brasileiro, é a de que nós ainda estamos de costas para os países colonizados da América Latina, especialmente aqueles situados na América do Sul, pois seguimos estudando os problemas, as leis, as doutrinas e a jurisprudência de países colonizadores como Estados Unidos da América, Portugal, Espanha, França, Alemanha e Grã-Bretanha, ao passo que deixamos de examinar os ordenamentos jurídicos de nossos vizinhos de fronteira ou próximos à nossa fronteira terrestre. Parece que a soberania de pensamento de nossos professores e escritores jurídicos até hoje sofre os efeitos de nossa cultura de país colonizado, apesar de nós, brasileiros, já estarmos chegando a meados do ano 2022.

Não é fácil tornar independente a mente de um povo.

Este primeiro texto tentará começar a mostrar como isso tem impactado no tratamento jurídico dado ao direito fundamental à liberdade de expressão no Brasil.

De acordo a redação contida no art. 5º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Simples assim. Não se lê limite algum explícito em tal dispositivo normativo.

Isso faz com que os defensores da mais ampla liberdade de expressão cheguem a argumentar que tal direito individual seria absoluto, irrestrito, ilimitado, o que poderia justificar, inclusive, a suposta proteção constitucional a discursos de ódio, de intolerância, de incitação a crimes e até mesmo à derrubada das instituições republicanas, ou, pelo menos, do regime democrático, entre outros tantos ilícitos criminais.

Ocorre que a liberdade de expressão, no Brasil, não é absoluta, apesar da falha de redação de nosso texto constitucional.

Ela, a liberdade de manifestação do pensamento, aqui tratada como sinônimo de liberdade de expressão, nunca foi, e sinceramente espero que jamais venha a ser absoluta, irrestrita e ilimitada.

Os limites implícitos à liberdade de expressão, como direito fundamental, encontram-se implícitos na proteção que a própria Constituição de nossa República outorga a outros direitos e liberdades fundamentais, criando assim o frequentemente esquecido conceito de “deveres individuais e coletivos”, termo que consta sim do Capítulo I do Título II da Constituição Federal de 1988 (CF/88), por incrível que pareça.

Isso é amplamente explicado por nossos Professores de Direito Constitucional.

Para PEDRO LENZA, por exemplo, “caso durante a manifestação do pensamento se cause dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta, proporciona ao agravo, além de indenização” (“Direito Constitucional, Saraiva Jur, 26ª edição, p. 1179). Isso não é dizer muita coisa, pois tal limitação já decorre do direito fundamental redigido nos incisos V e X do mesmo artigo 5º da CF/88.

ALEXANDRE DE MORAES vai um pouco além, ao ensinar que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre divulgação dos fatos, consagradas constitucionalmente no inciso XIV do art.  5º  da  Constituição  Federal,  devem  ser  interpretadas  em  conjunto  com  a inviolabilidade  à  honra  e  à  vida  privada  (CF,  art.  5º,  X),  bem  como  com  a proteção  à  imagem  (CF,  art.  5º,  XXVII,  a),  sob  pena  de  responsabilização  do agente divulgador por danos materiais e morais (CF, art. 5º, V e X)” (“Direito Constitucional”, 36ª edição, Gen Atlas, p. 1.616).

Mas nenhum desses dois importantes doutrinadores, ao menos em tais obras, se debruçou sobre os textos constitucionais de nossos vizinhos sul-americanos. E isso é importante para deixar ainda mais claro esse defeito de redação da Constituição da República Federativa do Brasil, contido no mencionado inciso IV do seu artigo 5º, ora examinado.

Na Constituição do Peru, por exemplo, há um limite explícito, e não meramente implícito, a tal liberdade, porque seu artigo 2º, item 4, diz expressamente que “toda pessoa tem direito (...) às liberdades de informação, opinião, expressão e difusão do pensamento mediante a palavra oral ou escrita ou a imagem, por qualquer meio de comunicação social, sem prévia autorização nem censura nem impedimento alguns, sob as responsabilidades da lei”.  

Na Constituição do Uruguai, seu artigo 29 assegura ser inteiramente livre em toda a matéria a comunicação de pensamentos por palavras, escritos particulares ou publicados na imprensa, ou por qualquer outra forma de divulgação, sem necessidade de prévia censura, “ficando responsável o autor e, em seu caso, o impressor ou emissor, de acordo com a lei por abusos que cometerem”.

Na Constituição do Paraguai, seu artigo 26, ao garantir as liberdades de expressão e de imprensa, diz que a lei não poderá estabelecer outras limitações além “das dispostas nesta Constituição”, o que demonstra que nesse país vizinho também admitiu expressamente a existência de limites constitucionais a tal importantíssimo direito fundamental.

 Na Constituição da Bolívia, seu artigo 21, item 3, concede aos cidadãos de tal país “a liberdade de pensamento, de espiritualidade, religião e culto, expressos em forma individual ou coletiva, tanto em público com em privado, com fins lícitos”.

Portanto, conclui-se que o texto da Constituição Federal do Brasil, à semelhança da omissão que se constata nas vizinhas Constituições da Argentina, do Chile e da Colômbia, por exemplo, possui o defeito redacional de não ter previsto um explícito limite à liberdade de manifestação do pensamento, diversamente do melhor cuidado redacional que houve nas Constituições de nossos irmãos peruanos, uruguaios, paraguaios e bolivianos, por exemplo.         

Futuramente abordarei os limites legais e jurisprudenciais brasileiros a tal direito fundamental, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

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